O Cult Vende

03:34 / Postado por Figgis /

O cult vende... o cult vende...
Ele era um garoto alternativo, um ser humano único e diferente, não se encaixava na sociedade, gostava de ouvir músicas que ninguem ouvia, via filmes que ninguem via... ele tinha um gosto totalmente alternativo! Ele não se excluia das pessoas porque queria, elas que o excluiam, coitado do alternativo... não tinha amigos... não tinha alternativas.
Um dia o alternativo encontrou seus amiguinhos, todos alternativos, todos ouviam as mesmas músicas que ele, se vestiam igual a ele, eles todos eram alternativos!
Ele e sua turminha de alternativos vestiam-se diferentes, eram todos únicos e especiais... todos ouviam músicas que ninguem mais ouvia, todos viam filmes cult, que os outros diziam que eram ruins, eles entendiam do assunto, eram os reis do alternativo, ninguem era mais alternativo que eles!
Ele nunca sentira-se tão bem, percebia que não era o único injustiçado no mundo, que não era o único que sofria preconceitos da sociedade, ele e sua turminha de alternativos se encontravam todo dia para dizer como foram injustiçados.
Um dia ele ouviu uma música legal no rádio, e foi contar para seus amiguinhos, mas seus amiguinhos riram dele, aquela música era mainstream, era comercial, o cantor era um vendido, aquela música não era boa para eles... eles eram alternativos!
Eles eram alternativos.... todos se vestiam iguais, com a moda alternativa... todos ouviam as mesmas músicas, músicas alternativas, todos viam os mesmos filmes, os filmes cult... todos se sentiam injustiçados pelo mundo, mas no silêncio das almas sabiam que eram melhores... eram especiais, únicos... eram todos únicos, não tinha hierarquia, eram todos únicos iguais...
Ele deu um passo para trás, viu seus coleguinhas falando mal do mundo, de como era difícil ser diferente, de como a era moderna não dá valor à arte, aos grandes pensadores. Ao perguntar quais eram seus livros preferidos, algum deles respondeu de pronto - "Para Além do Bem e do Mal" - outro dizia sem pestanejar - "O Vermelho e o Negro, de Stendhal!" - e deveriam ver a felicidade estampada no rosto deste, ao perceber que sua resposta foi a mais única e especial. Todos os amiguinhos olharam para ele, admiraram-no, e embora perguntassem do que se tratava o livro, ele apenas dava respostas vagas e fingia uma falsa modéstia. Em seguida, quando ele se virou para outro rapaz, o mesmo não respondeu, mas ao invés disso preferiu desferir balbúridas sobre O Código Da Vinci, dizia detalhadamente cada parte do livro que não havia gostado, e de como o Dan Brown era um vendido....
Ele fez a mesma coisa, perguntando sobre filmes, sobre música, todos respondiam a mesma coisa, nem pensavam, enumeravam uma lista infindável e disputavam entre si quem gostava do cineasta mais diferente, ouvia-se "Fellini" de um lado, "Orson Welles" do outro, e quando alguem disse "Godart" todos extasiaram-se, todos concordaram, balançavam a cabeça afirmativamente e citavam algum fato sobre ele, Godart foi a palavra de ordem da discussão... todos gostavam de Godart, Godart era o melhor!
Eles eram diferentes, eles eram alternativos, eles comiam Dan Brown e vomitavam Stendhal, eles achavam que seus gostos eram especiais e únicos e se achavam diferentes de todos os outros, eles se vestiam com roupas alternativas porque não aceitavam ser discriminados pelo que gostam, mas aquele que não se vestisse diferente, igual a eles, era excluido rapidamente. Eles gostavam de filmes cult, só eles tinham aqueles filmes, eram especiais, diferentes e alternativos.... todos eles tinham... só eles... o cult vende... o cult vende....
Ele deu um passo para trás, vestiu o que queria, ouviu o que gostava, não ligando se era mainstream ou underground, via o que queria e percebeu que era diferente e único por isso. Ele percebeu outras duas coisas: Está na moda ser alternativo, e... o cult... vende...

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